A Revista Estilo conversa com Inocência Manoel, fundadora e coproprietária da Inoar Cosméticos (mãe e filho dividem igualitariamente as ações da companhia).
Em um papo aberto, ela conta sobre a sua luta para elevar as mulheres no mundo empresarial, os desafios e conquistas.
Inocência, um ano depois de sua participação no Fórum de Líderes da ONU, em Nova York, o que mudou?
Muito pouco. As metas de Igualdade de Gênero são claras na busca por mais mulheres em cargos de alta liderança, mas na realidade o que se vê ainda é um comando muito masculino, com poucas aberturas para as mulheres poderem ter sua voz ouvida.
Vou dar um exemplo: o mercado de cosméticos é um dos que mais crescem no mundo. E dados do censo americano apontam que, no mundo do consumo, uma mulher pode valer por dez homens. Isso porque elas decidem 85% das escolhas de consumo, um número que se torna ainda mais expressivo quando se trata
de produtos de beleza.
Porém, a indústria da beleza tem uma média de apenas 29% de liderança feminina em conselhos e equipes executivas, de acordo com o LedBetter Gender Equality Index, grupo de pesquisa que administra um banco de dados e aplicativo que mostra o número de mulheres na liderança. É um paradoxo ter mais homens nos cargos de alta gestão de um setor essencialmente voltado para nós, mulheres.
E como mudar isso?
Não é tão simples. Mas a gente vence é com dados e com pesquisa, não na ignorância. Venho acompanhando estudos que ressaltam a existência de um afunilamento hierárquico, ou seja, cada vez menos mulheres conforme aumentam as atribuições de liderança e comando nas organizações.
Os motivos para isso acontecer são barreiras sutis e imperceptíveis, impeditivas de oportunidades de carreira ao gênero feminino, bem como de progresso profissional, denominado efeito Teto de Vidro.
Fruto da prevalência de uma cultura machista, herança de uma sociedade marcadamente patriarcal, o Teto de Vidro está, na verdade, por toda parte, construindo uma imensa barreira para a mulher crescer em sua trajetória profissional.
Este cenário é tão contramão nas tendências observadas mais recentemente, que quase me revolta. Mas se contra dados não há argumentos, cito mais um dos muitos a que tenho acesso
diariamente: um estudo da Harvard Business Review revelou que a participação da liderança feminina está associada a um aumento de 15% na lucratividade das empresas.
Não é a toa que as empresas que conseguem investir em políticas de igualdade de gênero e diversidade apresentam melhores resultados, inclusive na sua rentabilidade. Essas informações estão no relatório Women in Business and Management: The Business Case for Change (‘Mulheres nos negócios e na gerência: por que mudar é importante para os negócios), divulgado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), órgão pertencente à ONU. O relatório analisou mais de 70 mil empresas em 13 diferentes países. E por que ainda é preciso falar sozinha disso? Esses dados se repetem em diversos países e não têm sido suficientes para mudar a dura realidade de que na nossa indústria a maioria dos cargos de liderança ainda siga ocupada por… homens.
Você sente muito preconceito por ser mulher e estar na sua posição?
Não só preconceito! O mercado tem o machismo estrutural e muita desinformação. O que mais vemos neste meio, e na minha posição, são tentativas de invalidar o trabalho das mulheres e de boicotar seus projetos. Mulheres são sempre as primeiras vítimas das fofocas e das fake news. Na tentativa de nos desconstruírem, são muitas as falsas histórias contadas, cheias de preconceito e apoiadas em julgamentos morais, tudo para te enfraquecer.
E é cômodo acreditar na primeira história que se lê, não é? Hoje vivemos um momento no país em que as maiores mentiras se tornaram grandes verdades propagadas nas redes sociais e grupos de WhatsApp. Isso é perigoso, não somente para as mulheres.
A sociedade toda vem acreditando sem buscar fontes, sem sequer ouvir o outro lado da história. Vivi isso recentemente e em toda a minha vida. Se a beleza é feminina, o mercado tem se apresentado extremamente machista. Hoje estou no meu lugar de fala e agradeço a oportunidade de poder fazer algo para mudar. Por mim e pelas gerações futuras, não me calo mais.
O que você diria que é seu maior desafio?
Eles variam. Se somos firmes e precisamos fazer nossa voz ser ouvida, muitas vezes atravessadas pela prática sexista de ser constantemente interrompidas, dizem que sofremos de “rompantes coléricos”.
Já o homem, numa mesma situação, é chamado de firme, seguro, é aplaudido de pé. Se somos maleáveis, nos chamam de fracas. Se ousamos virar a mesa, ou elevar nossa voz, nos chamam de histéricas. Tudo o que é visto em um homem como uma grande qualidade profissional, para nós, vira desqualificação. A todo tempo, nossa imagem está em teste.
Que conselho você daria as mulheres que passam pelo mesmo que você?
Não somente para as mulheres, mas para os homens também, aqueles que percebem com clareza as desigualdades de gênero, entre tantas outras. Todos nós fomos todos levados a acreditar, durante anos, que existe um padrão em que homem é mais, mulher é menos (quando convém), empregado e institucionalizado por gerações, sem os devidos questionamentos.
O machismo é tão velado e enraizado, que muitos não percebem quando ele acontece. Tendo as mesmas competências, as mesmas responsabilidades, as pessoas procuram os homens para se reportar. O machismo estrutural é exatamente isso.
Meu conselho é estar atento, estudar, se informar. Buscar fontes, não se contentar com teorias rasas. Questione, tenha senso crítico. Você só vai conseguir mudar a história de uma mulher, seja ela a sua filha, a sua irmã, a sua tia ou a sua mãe, se estiver preparado para questionar aquilo que te fizeram acreditar.